Um ditado popular afirma que “quem foi rei nunca perde a majestade”. Em alguns casos, é preciso muito trabalho para reconquistar o trono. O café do Rio de Janeiro que o diga. De produto vital para a economia do estado, foi destronado por São Paulo e Minas Gerais e quase despareceu do mapa. Porém, uma retomada das lavouras, iniciada na década de 1970, começa a render bons frutos. Tanto é assim que produtores fizeram dois pleitos junto ao Instituo Nacional da Propriedade Industrial (INPI): obter uma Indicação de Procedência e uma Denominação de Origem.
Por trás dessa movimentação está a Associação dos Cafeicultores do Estado do Rio de Janeiro (ASCARJ). O ditado popular, deste momento, é o que profere que, quem não é o maior tem que ser o melhor. Os números explicam.
Atualmente, o Rio de Janeiro produz 350 mil sacas de café por ano (cada saca tem 60 quilos). O maior produtor brasileiro, Minas Gerais, produz 30 milhões de sacas por ano, metade da produção do país. Em todo o mundo se produz 160 milhões de sacas de café a cada ano.
Café especial
“Apostar no café especial é uma forma de sair do commodity e da loteria que é a cotação internacional do preço do produto. Nos últimos anos, o Rio de Janeiro vem chamando a atenção com os vários prêmios que o café fluminense vem conquistando. Percebemos que já tínhamos condições de explicitar essa qualidade, para o mercado”, comenta o presidente da ASCARJ, Moacyr Carvalho Filho.
A própria atuação da associação é um indicativo de que a autoestima dos produtores de café do Rio de Janeiro está mais elevada. Afinal, a ASCARJ foi criada em 2002, mas ganhou fôlego nos últimos dois anos.
O Rio de Janeiro tem três distintas áreas produtoras de café. Foi para duas delas os pleitos junto ao INPI: região serrana e noroeste do estado.
A serrana reúne 42 produtores, distribuídos em 11 municípios. É para lá que se busca obter a Denominação de Origem. A região noroeste tem cerca de dois mil produtores, que podem vir a conseguir uma Indicação de Procedência para o seu café. A região é a principal produtora de café do estado: são aproximadamente 260 mil sacas por ano, que representam 70% do café do Rio de Janeiro.
A Indicação de Procedência remete à fama que determinada região atingiu no desenvolvimento de um produto ou serviço. A Denominação de Origem vai mais além: refere-se ao nome geográfico de uma localidade em que as qualidades e características de um determinado produto se dão exclusivamente ou essencialmente naquele determinado local.
Atualmente, somente Minas Gerais tem Denominação de Origem para o café brasileiro: na região do Cerrado e na Serra da Mantiqueira.
De acordo com Moacyr, os pleitos feitos pela ASCARJ junto ao INPI acompanham as diferenças da forma como as regiões produzem seu café:
“A região serrana tem uma produção mais homogênea. Feita em propriedades maiores, voltadas exclusivamente para o cultivo do café. No noroeste, existem muitos meeiros, o que aumenta o número de produtores. As propriedades são fracionadas, têm característica de agricultura familiar, onde o café é plantado junto com outros itens. A região está despertando para a importância da produção de qualidade, motivado pelos resultados da região serrana, que vem ganhando prêmios e vê seu café obter melhor valor de venda no mercado”, explica Moacyr.
Ele é dono de 75 mil pés de café plantados na Fazenda Haras Monte Café, em Duas Barras, na região serrana. Foi por essa área que se deu a retomada da produção cafeeira fluminense com o olhar voltado para a melhoria da qualidade. Moacyr, por exemplo, começou sua produção em 1982. Engenheiro civil, ao se aposentar se deparou com a possibilidade de recuperar uma fazenda da família com uma lavoura abandonada.
Ele brinca dizendo que, naquele momento, não conseguia identificar a diferença entre um café e uma acerola. Mesmo assim, arregaçou as mangas e colocou as mãos na terra. Sua produção é até considerada pequena, perto de alguns “vizinhos”, como Aloysio Erthal, que responde por cerca de 25 mil sacas anuais, produzidas em suas fazendas nos municípios de Bom Jardim e Duas Barras.
A expectativa dos produtores é que, em um ano, seja concedida, pelo menos, a Denominação de Origem. Dentre as exigências para se conseguir essa vitória fazem parte atenção da propriedade em relação à responsabilidade social e respeito ao meio ambiente.
Meio ambiente
Foi justamente a falta de respeito ambiental que devastou com a produção cafeicultora do Estado. Em 1830, o café era a principal atividade da região conhecida atualmente como Vale do Café – ironicamente, sem produção expressiva, no momento.
Naquela época, a exportação de café representava cerca de 60% da receita do Império e a cafeicultura tornou o Rio de Janeiro a mais importante e próspera cidade brasileira. A utilização predatória do solo, porém, fez com que a produção entrasse em declínio. Progressivamente, São Paulo foi ocupando o espaço do Rio de Janeiro na produção cafeeira e, em 50 anos, assumiu a liderança dessa atividade econômica.
Café RJ
Enquanto aguarda o resultado do INPI, a ASCARJ sai em campo para “apresentar” o novo café do Rio de Janeiro para cariocas e fluminenses. Moacyr admite que poucas cafeterias da cidade do Rio de Janeiro trabalham com o café “da casa”, sendo que o Estado consome o correspondente a 1,8 milhão de sacas de café, por ano. A preferência dos consumidores, atualmente, tem sido para marcas de Minas Gerais e Espirito Santo.
Para se ter uma ideia do que o atual momento da produção cafeeira fluminense representa, em qualquer mercado, nacional ou internacional, onde se negocia café, o grau mais baixo na escala de qualidade é denominado “bebida Rio” – as outras denominações são bebida dura para média qualidade; e bebida mole, para a de melhor qualidade.
“Isso é uma herança de um passado bem distante, quando a secagem do café era feita sem cuidados, aliado às condições climáticas desfavoráveis. Esse processo resultava em um café amargo e adstringente. Esse problema já foi contornado há muito tempo, mas a má fama ficou. Por isso, quando o nosso café ganha um concurso, a surpresa é ainda maior. Estamos empenhados em melhorar ainda mais a qualidade do café do Rio de Janeiro. E quando você se dedica ao café, ele te gratifica. O café entende e é grato”, afirma Moacyr.
Fonte: DeliciasRJ